Ariane Galdino
Aquele olhar. As pupilas queimavam em ódio, olhar que gotejava vingança.
A carcaça, pois não poderia mais ser denominada de corpo, carregava insanidade e ira. Trágico. Cômico.
Para muitos a vida é boa, romântica, inspira futuro. Para outros ela é dura e lamuriosa. Existem pessoas que se deparam com abismos intransponíveis. Poços fundos encharcados de amargura e desilusão.
Em alguns homens, se não em todos, existe um tipo de coragem motivada pelo falo. Trata-se de um sentimento desregrado e desprovido de pudor. Um homem que faz justiça com as mãos. Trêmulas, fracas, sofridas e queimadas de sol. Juntas e palmas calejadas por uma trajetória que não inspirou descanso. Essa coragem não é bem aquela de que falam os mais positivos, ela tem um cunho amedrontador.
Quem julgaria alguém que queimasse por dentro repleto de motivos? Como julgar este ser que é humano, viciado em negatividade, insano, complexado?
Não pai, você não era só isso. Eu sempre via luz em você. Em raros momentos quando sorria, quando sorria soluçando, os cantos dos olhos se enchiam de água. Riso verdadeiro, descompensado.
Mas, nos dias mais obscuros, cobertos por uma névoa que cegava a racionalidade, você era fogo. Algo que despontava de dentro e com tamanha intensidade que seus poros exalavam raiva.
Foi assim: saiu a procura do indivíduo, o mesmo o havia lesado materialmente cerca de nove vezes. Rondava sua casa, seu sustento, sua mente perturbada. Desconcertava sua vida aos poucos. Obsessão que não se explicou. Ele, a vítima, já não suportava mais a impotência. Já não queria ser visto como um “banana”, como um idoso “calça frouxa”, essas eram as expressões com as quais, para ele se explicava o estado de covardia.
Saiu em sua Kombi velha, branca, ano 2001, porém bem cuidada, volante já gasto com bancos preservados, assoalho limpo, carpetes recém-comprados. O dia prometia. O velho saiu sob um sol de rachar. O calor que descia do teto do carro produzia a temperatura perfeita para que tudo continuasse queimando. Dirigia com o olhar desnorteado, já meio turvo, resultado dos copos de vinho que se serviu para regar sua coragem. Ou para que continuasse a faiscar.
Comprou dois litros de gasolina. Se o tivesse encontrado tinha queimado até os ossos. Mas, por sorte não sei mais de quem, a moto foi queimada. Ele jorrou ódio, jogou o fósforo, virou as costas, ligou a chave do carro e dirigiu até um bar. Neste bar ele não bebeu, comprou maços de cigarros. Confessou a arte. Escondeu-se num motel.
No outro dia, ao buscá-lo me deparo com sua sobriedade, sua magreza, tocos de cigarros espalhados pelo chão, cena deplorável de cine privé. Um velho trabalhador, injustiçado, corroído pela tristeza. Um lugar escuro, sujo, uma cama apenas, um chão batido encerado na cor vermelha, paredes verdes mal pintadas. O habitual cheiro de sexo e orgia que exalam de quartos de motéis baratos como aquele, deu lugar ao temor, a uma ansiedade irracional. Tudo cheirava a medo, incerteza. Talvez estivesse um pouco envergonhado ou com receio pelo que pudesse escutar. Procurei focar na solução, pensei em tirá-lo dali, protegê-lo, livrá-lo de qualquer mal. O sermão já havia sido dado por telefone mesmo. Nem me lembro sobre o que falei.
Naquele momento o fogo já tinha se dissipado e era só fumaça. Aquele fogo fruto do ódio e da ignorância já o havia consumado. O que restara era mesmo bagunça, cinzas. Era um cidadão engraçado, descontrolado, que escolhia a cada dia ficar mais sozinho. Penso que ele se arrependeu, era boa gente, apenas mais que comprovadamente insano.
Muita coisa se queimou ou foi queimada naquele dia. Queimou mesmo. Queimou… e queimou.
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